terça-feira, 30 de julho de 2024

 

 

Este ano, em março, fui a pé até Santiago e só agora é que me apeteceu escrever sobre isso, vejam bem. Tinha prometido ao apóstolo, no verão de 22, que havia de ir vê-lo, a pé, para lhe dar um abraço de gratidão e alegria pela minha netinha que haveria de nascer no início de 23. E nasceu, pois então!

De modos que já em janeiro deste ano, com algum atraso, é certo, eu tinha tomado a decisão "este ano tenho de ir cumprir a minha promessa" e vai daí, o meu rapaz, padrinho e tio da minha netinha, atirou-me com esta declaração enquanto saía do carro que o levava ao aeroporto para, mais uma vez nos deixar no ninho vazio, ele e a mana, os nossos passarinhos que cada um ao seu ritmo, um dia, trataram de o abandonar:

 - Pai, vou contigo a Santiago. Volto em março logo a seguir aos meus anos e fazemos o caminho juntos. Sabes porquê?

Eu respondi qualquer coisa próxima de sim, eu sei, vens em meu auxílio, fazes-me companhia, essas coisas. 

E Ele:

- Não pai, não é só por isso. É que eu faço 29 anos este ano, e quando eu nasci tu tinhas precisamente 29 anos, estás a ver.…” Bom, aqui a coisa piou fino porque o lado das emoções tomou conta de tudo quanto era eu. Vocês entendem, não entendem? Creio que não valerá de muito estar aqui a descrever lábios trémulos e vozes embargadas. Vocês entendem, não entendem?

 

Então veio março, veio o meu filho e toca a preparar a caminhada, desta vez com início a partir de Valença por causa da falta de tempo útil para caminharmos desde a nossa casa, como eu já tinha feito em 2016.

 

Da caminhada há sempre coisas interessantes a partilhar, mas desta vez vou realçar a dificuldade. Ai como foi duro fazer este caminho, embora sendo metade do que eu fizera há oito anos! Que sacrifício, meu Deus, ainda por cima numa semana de chuva! Eu gordo, cansado, carregado de mochila às costas, e ainda por cima a caminhar com chuva e vento e aquele poncho estranho a esvoaçar e a desprender-se e tira o poncho e volta a pôr o poncho...

Foi, enfim, um sacrifício que fiz com gosto, sempre motivado pelo meu companheiro jovem de 29 anos “anda, pai, acelera o ritmo”, “continua a subir e lá em cima não pares, descansas a caminhar na reta, vais ver que é melhor” E eu bufava. Bufava por fora e por dentro, mas tentava cumprir. Tentava superar o sofrimento de já não ser tão jovem, de perceber cruamente que a idade realmente pesa e que o “quem andou não tem para andar” estava ali escarrapachadinho à minha frente, “vivinho cuma cal” como dizia a minha avó.

Depois foi só apenas uma questão de apreciar momentos, deliciar-me com a beleza das paisagens galegas, das comidas, do meu rapaz a liderar-me. E aqui sim, aqui houve sentimento novo. Sentir que era o meu filho que me liderava. Pensar nas tantas decisões que era sempre eu a tomar e agora já não. “Vamos por aqui”, “Paramos ali” já não eram sentenças minhas. Eram pertença do meu menino. Ele estava no comando e eu senti um gosto muito bom e consolador.

Em Santiago, lugar de peregrinação que é sempre de festa turística, muito pouco dado a grandes momentos espirituais - a não ser no Santíssimo -, lá fui eu abraçar o meu amiguinho e sorrir para ele por saber que ele me via feliz e agora avô de uma menina sã e linda. Uma margarida na minha vida que tanto amo e a quem quero poder ver crescer. Ó se quero...

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