quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

recordar

Ainda não eram sete horas e já aquele bruto o espreitava por detrás das enormes paredes de ferro. O sol de Valência nunca faltava.
Ao longe o mediterrâneo brilhava em mil cores, e o sol de Valência quimava-lhe a pele. Não havia sombra, nem praias. Apenas ferro.
Doze horas a fio, acartando barras de ferro, amarrando ferro, comendo ferro. Era o verão quente de Valência. O soldo amargo e cruel. Dias seguidos de árduos momentos jamais sonhados, de calor infernal. De uma Espanha puta de todos os dias. De um pobre diabo. De um diabo condenado ao cruel ardor do ganha-pão. De um diabo que nenhum mal fizera. De um sonhador.
Ao entardecer, as baratas, ratos com asas, levavam-no à náusea, a um estado de descanso cansado. As ruas quentes e sujas... Depois o ferro, o betão, as molhadas de capacetes amarelos, a ferrugem. Os dias quentes de valência, naquele Agosto maldito. Fugir para longe sim. Era preciso um motivo mais. Um acto de guerra. Inglório. Valência imperial ria-se dos seus pensamentos. Um homem não sabe, precisa. Um homem busca. Revira e sonha. E encontra o pesadelo. Um homem só.
Naquele dia o sol não veio. O calor sim. E a chuva. Uma chuva desigual, como o sol. E ele correu muito sobre aquelas botas pesadas. Correu e dançou na chuva, na sua música. Que manhã tão prenhe de vida! Encharcado, suado e sôfrego, correu sem parar e deixou-se possuir pela chuva molhada e quente. Gritou olhando as ninfas, aqueles enormes tanques de betão. Amou-as no sofrimento e perdoou-lhes a monstruosidade. Estava livre.
Web Analytics