quarta-feira, 6 de junho de 2018

Entre Julho e Novembro – David Mourão Ferreira

Rangia entre nós dois a música da areia
como se fosse Agosto a dedilhar um sistro
Agora está fechada a casa onde te amei
onde à noite uma vez devagar te despiste

Floresça o clavicórdio em pleno mês de Outubro
Na harpa de Setembro entrelaçou-se a vinha
A que vem de repente entre os dois este muro
feito de solidão de sal de marés vivas

Podia conjurar-te a que não me esquecesses
mas é longe do Mar que os navios são tristes
De que serve o convés com a sombra das redes
 

Quis a tua nudez. Não quis que te despisses

quarta-feira, 25 de abril de 2018

#32 💟
Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma...Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.
Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.
E em duas bocas uma língua..., - unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.
Depois... - abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!
José Régio - Soneto de Amor

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Ó Carlos, tu não me ligas a ponta de um corno mas eu insisto em escrever-te. E escrevo-te aqui e daqui porque um dia tu vais ler isto, um dia eu vou ler isto. E vai saber bem.



Como andas?

Olha, eu fui ver Bob Dylan a Lisboa. Imagina tu que andei eu estes anos todos a criar um filho que deu nisto de gostar muito de ouvir o Velho Robert e, assim, lá resolveu comprar dois bilhetes e “Ó Tinoco, vamos a Lisboa ver Bob Dylan”.
Confesso que gostei, Carlos. Principalmente porque isto tem muito a ver com uma certa tomada de posição no que toca a criar filhos. Tocar as canções com eles a crescer, som alto de preferência, Zappa, Dylan, Doors, Pink Floyd, e eles a crescer e a resmungar. Tom Waits tantas vezes, “Um dia ainda ides acabar por gostar de Tom Waits” e esse dia chegou bem cedo e surpreendente, ou não, porque estes músicos, estes autores, estes artistas também hão-de ser ouvidos pelos filhos dos meus filhos, e pelos netos, de tão eternos que são. E estando ainda alguns vivos, há que ir. Há que não perder.

E gostei, Carlos. Gostei da viagem que fiz com um filho homem ao meu lado. Das conversas que tivemos, das pausas, das perguntas, das expressões. Depois veio o concerto e o homem é aquele que tu bem conheces e que já viste tocar no Porto, há muitos anos, e me disseste que ele é diferente. Que não quer cá palminhas e folclore “olá Lisboa!”. Nada! O homem está em palco, acendem-se as luzes, canta, toca, exprime, enfim, a sua arte que não é bem a arte de um entertainer apesar de o ser. É uma arte que não é bem um concerto musical apesar de o ser. É uma arte que vem de um artista raro, muito, muito raro.
E portanto gostei. Principalmente de ver o meu filho a gostar quase muito mais do que eu e dos outros cotas que encheram o pavilhão.

E tu, como andas? Sempre apareces um dia?

Nós que vimos juntos Neil Young, Lou Reed e que já vimos Dylan em momentos diferentes, podemos sonhar ver um dia Tom Waits. Mas para isso seria preciso que tu viesses cá e que ele não acabe por se fartar desta vida. Tenho esperança, enfim, de vos ver aos dois.

Um abraço, Carlos. Um grande abraço.
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