segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Um Domingo tranquilo é quando tu acordas cedo, fazes um café e passas uma manteiguinha em duas torradas, enquanto o teu cão fica ali sentado à espera da tua generosidade. Depois, levas o cão lá fora e fazes-lhe as festas habituais no elevador. Voltas a casa e espraias-te num banho demorado e voltas a sair. Num domingo tranquilo, tu começas por ir ao café habitual e encontras os amigos habituais e passas os olhos nos jornais habituais. E falas coisas ligeiras e espaças os diálogos com longas fumaças. Regressas  a casa já depois do meio-dia e almoças tranquilamente do que houver. E assim vem a tarde pasmacenta dos domingos tranquilos onde normalmente adormeces no sofá, no momento seguinte ao da escolha do filme para ver ou do livro para ler. Num domingo tranquilo a noite acaba por chegar, bem por cima de tudo aquilo que não fizeste. As horas correm no meio das notícias e ficas com a sensação de que tudo aquilo passou rápido de mais. 

sábado, 17 de setembro de 2011

Hoje apeteceu-me escrever.

Ontem foi um dia assim-assim e hoje apetece-me escrever. Ontem trabalhei normalmente, hoje também e, no entanto, apetece-me escrever. Ontem fui jogar futebol de sala, à noite, depois entrei em copos e conversei noite dentro. Hoje apetece-me escrever.
 Ontem quis ouvir jazz mas os amigos queriam música dura e eu percebi que  eu posso ouvir jazz sempre que me apetecer mas não tenho de arrastar os outros nesse desejo. E hoje apetece-me escrever. E os dias assim-assim nem sempre dão para ouvir jazz mas dão para muitas coisas. Dão para apetecer escrever mesmo sem ter nada de relevante a dizer. Dão para sentir que dormimos pouco e que, ainda assim, estamos vivos, saudáveis, a envelhecer como quando crescíamos. E se nos der para querer ouvir jazz é porque desejamos, por certo, encontrar respostas singelas a perguntas batidas.Os nossos dias correm com súbita voracidade e nós calamos um pouco. Perenes moços, nós já tivemos tudo e achamos que não temos nada. E perguntamos, ingénuos, ao registo musical que nos inunda os sentidos, por que razão somos tão tolos e incompletos? Por que motivo estamos já mais disponíveis para deslizar em vez de correr? Por que motivo nos colocamos mais atrás nas fotografias, por que razões, obscuras ou não, nos deixamos ficar quietos e quase nem argumentamos quando aquele fulano assume a dianteira?
 Queremos o nosso lugar aqui na terra e sabemos bem da sua preciosidade. Podemos talvez ainda achar que somos imortais mas adoçamos o sentido da vida com menos ousadia. Julgaremos nós que os mais novos tomaram os nossos lugares? Nos cafés, nas ruas, nos pontos-de-encontro.  Pensaremos já que somos um livro quase completo mas não sabemos bem em que página nos estamos a ler? Precisaremos de um marcador de páginas da nossa vida porque às tantas andamos demasiados dias a ler os mesmos capítulos, repetidamente, desconcentrados, e a música sabe-nos sempre diferente, tinge-nos a expressão, calca-nos os cabelos turvos?
E, no entanto, hoje apeteceu-me escrever.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

irritações

Venho aqui a correr para assentar uma espécie de irritação que me consome um bocadinho. Uma irritação que é quase um preconceito meu, ou quase um assomo de arrogância da minha parte, temo eu. Só admissível nos meus pensamentos auto-recriminatórios porque eu posso me dizer que, afinal de contas, eu percorri. Posso afirmar a mim mesmo que passei horas e horas numa biblioteca, que fui ao teatro, fui ao cinema, à ópera e comprei discos e livros e ouvi muita rádio que falava comigo e me trazia saberes que se me enraizavam e me moldaram os critérios. E que ainda hoje procuro fazer disso tudo.
E, justamente, o que me traz aqui neste momento não sou eu mas sim a tal irritação que eu ando a sentir faz algum tempo. Conhecem Pelléas et Mellissante? L' heure espagnol? Ah, eu conheço, sabiam? Ouvi e gostei muito, conheço as histórias e sei quem foram os autores e descobri nelas outra forma de entender o início do Sec. XX. Sei o que é porque cultivei essas coisas. Conhecem o noc noc noc on the heaven's door? Conhecem, claro que conhecem. Eu também conheço porque ouvi um disco de Bob Dylan há mais de 30 anos. Ouvi um disco, notem bem. Conhecem Joe Zawinul? E Brubeck, Conhecem? Pois, eu sei que podem pesquisar no google, eu sei. E ficam a saber, não é? E depois vão às Redes Sociais, não é? E postam vídeos e links de Debussy e Ravel, Drama Lírico e Comédia, não é? E Jazz, muito e bom Jazz. E debatem seriamente sobre esses e tantos outros temas. Por outro lado, deixe-me perguntar-vos se têm discos de jazz em casa. Se conseguem assistir a um concerto de música clássica (os divertimezzos não contam). Pois... E lêem romances para além dos downbrowns e margaridasrebelopintos? E Teatro? Ah, o LaFeria (do mal o menos. enfim - eu sei que está na moda).
E então o que é que me irrita tanto? Não consigo explicar doutro modo, peço desculpa. O que me irrita é pensar que anda muita gente a abarrotar de cultura ejaculada da Internet, fora da realidade vivida, da experiência, do contacto, do sal e da pimenta que só existe entre as folhas de um livro, do chilrear da natureza que só acontece numa sala com música, do pulsar do mundo como só se sente numa viagem, dentro de um museu, numa sala de teatro. Por isso irrito-me com, vamos lá ver se consigo ser educado, irrito-me com esse sub-produto de intelectuais fecundados no google, que têm tudo à mão e, assim, de tudo sabem, de tudo falam quais especialistas doutorados. É difícil lidar com essa gente, sabem?
 E às vezes, confesso, até apetece manda-los à merda, mas é claro que se o fizéssemos acabariamos por perder toda a imensa razão que temos.


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