sexta-feira, 22 de junho de 2012

Eia, pá, agora somos outra vez muito bons!
Ontem, escrevi no Twitter que Portugal inteiro estava preparado para adular a sua equipa nacional de futebol, caso vencesse, ou para a destruir, caso terminasse a sua participação do Campeonato da Europa de Futebol. Afinal, somos finalmente bons outra vez! E fomos bons, sim senhor. Pelo menos ontem fomos competentes e efectivos e o nosso adónis encheu-nos de orgulho!

Após o jogo, dispensei-me de assistir aos bocejantes debates televisivos portugueses sobre futebol que teimam em não sair daquele registo tão tuga, a ausência de qualquer sentido crítico, e que está na génese do tal  tweet que eu escrevera bem antes do início do jogo . Preferi ver o "Punto Pelota", o programa mais "kitch" sobre as coisas da bola, uma coisa que só vista. Passa em Espanha, com epicentro em Madrid, e versa sobretudo a rivalidade entre Barcelona e Madrid, e, claro, Cristiano Ronaldo. Ali, o nosso CR7 é esmiuçado de uma forma tão meticulosa que dá arrepios.
 Idolatrado por madridistas e triturado por todos os outros, dá-me particular gosto e especial satisfação devorar aquilo tudo até à medula, o madridismo, a xenofobia, a sobranceria, a inveja.
Para terem uma ideia, os tipos ontem gastaram 50 minutos só com o nosso CR7 e isso arrasta para o seio de Espanha toda a nossa portugalidade e uma espécie de vingança histórica de todo um povo contra Castela, onde li, com agradável surpresa, uma galega dizendo "Se Portugal va con Espana yo voy por Portugal". Lindo, não é?

Veja aqui o Punto Pelota de 21/06/2012

terça-feira, 19 de junho de 2012

Era uma vez uma aldeia de subúrbio, com casas empilhadas entre ruas e vielas. Com pátios de cimento e terra, hortas e galinheiros, e um cão. Quase todas estas casas têm um cão, ora porque se gosta de animais, ora porque se gosta de ter a casa vigiada. E quase todas as pessoas destas casas têm vizinhos e se dão bem. Partilham coisas, recursos pequenos da horta, ou outras coisas que se traz do emprego, que se arranja. Umas madeiras, caixas, ou arame e pregos. Nas casas destas aldeias de subúrbio é normal ver-se muitas coisas que são ali botadas  porque servem para qualquer coisa, nem que seja para dar ao vizinho. E este dar e receber vive-se desde sempre, posto que os vizinhos se dêem, está claro.

E um dia, um vizinho teve ninhada de cães e quando se tem tantos cachorrinhos é normal que não se deitem fora. É normal que se dêem. Os vizinhos dão os seus cachorros, não os vendem. Outros há que acabam por deitar a afogar no rio as cadelinhas por via de uma espécie de "misoginia canina", que é uma coisa que tem tendência a acabar, graças a Deus.

Ora, e um dia um vizinho foi à casa da ninhada escolher um cão. E foi assim que começou a a ser traçada a vida do "Skyp". Ele foi o escolhido porque era o mais bonito da ninhada. Foi um critério de escolha muito razoável, acertado até. Quem não escolheria o cão mais bonito da ninhada se tivesse essa oportunidade?
E o cão deve ter percebido isso. Era o príncipe perfeito, o mais bonito e foi com vaidade que se viu no colo daquela mulher. Saiu do peito da mãe para os braços daquela que iria cuidar dele porque mereceu, porque tinha predicados convincentes e irrecusáveis. Quantos de nós nunca se sentiram assim? O escolhido de entre tantos outros.

Já passaram muitos anos sobre este momento de glória do Skyp e o único outro momento de glória deste  cachorrinho foi o dia em que fechou os olhos para sempre. Quase treze anos depois. Treze anos passados amarrado a uma jaula feita de meio bidão de fibra de vidro , um forno no verão e uma geladeira no inverno. O único brinquedo do Skyp era uma gamela de cimento, onde caía ali uma comida de lavagem. Nunca calcorreou chão nenhum que não fosse aquele pátio sujo de cimento e duvido que tenha tido uma carícia, um consolo da mulher que um dia o retirou do colo materno. Quando por ali passava gente ele era um simples cão perigoso porque era grande e forte e ladrava.
 A única relação de afecto que teve em toda a sua vida foi criada com um carpinteiro vizinho, que ali passava todos os dias de casa para o trabalho e do trabalho para casa. O homem, certo dia a caminho de casa, lembrou-se de lhe atirar com um resto de comida. E isto repetiu-se anos seguidos. Para Skyp, que fora o escolhido, o mais perfeito entre os irmãos, o grande momento da vida dele, o zénite transcendental, era quando o rapaz ali passava e lhe deitava um osso, um bocado de pão ou o que fosse. Por vezes o rapaz não levava nada e via o cão correr aos saltos até onde o cadeado permitia. Via o olhar contente do cão e ficava triste porque percebia a falta, a quebra do ritual.
E assim, ao longo de  quase treze anos, o rapaz procurou não faltar ao combinado. No últimos anos, quando já o pobre bicho definhava, o rapaz sofria. Sofria em silêncio porque eram vizinhos de uma aldeia de subúrbio. E os vizinhos das aldeias de subúrbio dão-se bem e não fazem revoluções. Os vizinhos zangam-se com coisas humanas, não com vidas de cães. Os vizinhos são capazes de observar atrocidades como esta, e de sofrer com elas, mas está-lhes vedado o instinto justiceiro porque talvez ainda não tenham bem presente a diferença entre um cão que foi "o escolhido" e um monte de tábuas que para ali ficou arrumado junto à parede que menos serventia tem. Tudo aquilo faz parte do mesmo e assim continuará a ser.

Certo dia, o rapaz passou frente à casa e não viu o cão. Parou por um instante e sentiu uma tristeza e uma alegria, sol e chuva ao mesmo tempo. Sorriu para ele próprio e seguiu o seu caminho. E noutro dia contou-me esta passagem com ar aliviado enquanto bebia uma cerveja.

domingo, 3 de junho de 2012

Primeiro domingo de um junho que  começa fresco e verde. É de manhã e eu estou a ouvir uma emissora de radio pela internet. Chama-se "radio paradise" e passa música preferencialmente de outro mundo. Rádio ecléctica para um gajo ecléctico, como manda a lei e ordenam os astros.
É quase meio dia cá em casa. De tarde vou acabar de ver o filme "quatrocentos golpes", de François Truffaut, que não consegui ver todo ontem na rtp2. Um belo filme que retrata a vida miserável de um menino na sociedade parisiense de finais dos anos cinquenta. Depois disso, a Europa cresceu muito e a classe média enriqueceu. Hoje está pobre outra vez. Mais pobre ainda porque perdeu também os valores e os sonhos que F. Truffaut tão bem retrata naquele filme. Viva a Europa pobrezinha que eu, entretanto, vou tratar de me debater com uma feijoada bem à portuguesa.
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