sábado, 7 de agosto de 2004

quarenta euros

Ladino, subi as escadas e dei com um corredor escuro, cheio de portas que escondiam salas com escritórios silenciosos, quase inexistentes. Ao fundo já se via gente e, por isso, era quase certo que a sala 46 só podia ser ali.
- Boa tarde. É para se inscreverem para ir trabalhar no estrangeiro? - Era, pois era.
O casal de namorados, ansiosos, seriam os primeiros a entrar quando a porta se abrisse. O resto do grupo era composto por jovens de aspecto frugal e o cheiro a bafio imperava naquela atmosfera esquiva.
Decidi-me a quebrar o gelo e perguntei:
- Já alguém foi para o estrangeiro trabalhar? - Já, pois já.
Do outro lado da porta ouvia-se uma voz zangada:
- Eu não pago nada. Para isso fico aqui a apanhar sol que o fundo de desemprego que recebo vai dando para remediar.
Percebi o que se passava e avisei o grupo:
- Olhem que só para se inscreverem têm de pagar. E contem aí com cinquenta Euros.
- Pagar? Nem por sombras. Eu venho aqui é para trabalhar, atirou o namorado.
A porta abre, e surgem dois homens de aspecto curvo.
Velhos para isto, pensei eu. E eram, de facto, homens maduros, aparentando cinquenta anos ou mais. Um deles, o dono da voz zangada, sentenciou:
- Olhem que eles pedem quarenta Euros só para inscreverem um gajo na base de dados, e não garantem emprego. Nem passam recibos, os tipos. Quarenta Euros dão para muitos cafés.
O corredor quase esvaziou, tal a debandada. Menos o casal, que entretanto já tinha entrado.
Deixei-me ficar ali, conquistado por certa sede de experimentar, de conhecer, com todos os sentidos, aquela realidade.
Outros jovens vão chegando.
-Estou à espera de ser chamado para a Suiça. Só cá estou por causa do meu filho, mas vou ser chamado outra vez, dizia um que acabara de se juntar à molhada.
Cada um contava a sua história, enquanto aquela porta não se abria. Cada um mostrava a sua desgraçada condição de ter que partir.

«quarenta euros dão para muitos cafés»

E dão, sim senhor. E para outras coisas mais. Quarenta Euros nas mãos de quem não tem emprego decente, de quem não recebe a tempo e horas, de quem foi vítima de despedimentos colectivos, de falências fraudulentas, de multinacionais que fugiram, de subsídios que nunca mais chegam, servem para tudo menos para serem entregues, de bandeja, a meia dúzia de filhos da puta, uns abutres, que roubam “à má fila”. Roubam descaradamente o mais precário cidadão, criando empresas fantasmas de colocação de pessoal no estrangeiro. Publicam um anúncio no jornal e é só aguardar que os desgraçados batam à porta.
E o Estado? O que anda esse gajo a fazer por nós?



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