Um dia era verão e eu estava de férias grandes e a televisão dava os jogos do Mundial 82, os "naranjitos". Eu estava de férias grandes e fui trabalhar para umas obras. O prédio ainda existe e situa-se a menos de 100 metros de minha casa e é onde funciona a Clínica N. Srª da Saúde.
Eu era miúdo e fui trabalhar para as obras porque queria dinheiro. E trabalhei ali quase dois meses e escolhi ser pedreiro, já que detestava andar de colher de trolha na mão a chapar massa e a alisar paredes. Preferia as coisas brutas como acartar pesados carros de mão cheios de argamassa, ou baldes enormes cheios de tralha, pedras e assim. Eu nunca gostei muito de comer frango assado com faca e garfo. Ou como com a mão ou como com a mão. De modos que eu era miúdo e trabalhei nas obras. Depois veio o S. João e eu tinha dinheiro e fui para o Porto gasta-lo. Antes disso fui à rua do Loureiro e comprei roupa. Eu não era muito bom a comprar roupa. Comprei uma camisola vermelha e umas calças azul clarinho, aquele azul cueca da Argentina, e uns sapatos brancos e meias brancas. Ainda tenho uma foto muito catita vestido com essa roupa e muito penteadinho.
Eu era trolha. Mas ganhei dinheiro e comprei roupa e fui ao S. João. Depois deixei de ser trolha e voltei a ficar sem dinheiro e ia para a praia da Granja à boleia ou a pé, enquanto não começava Setembro e a escola. Enquanto ia e vinha apreciava os trolhas e tinha-lhes inveja. Eles não precisavam de cravar tabaco nem de andar à boleia. Fumavam SG Filtro e andavam de XF Zundap de cinco velocidades. A minha única glória era que eu ia para a praia e ficava moreno inteirinho. Eles eram morenos parciais.
Eu era um trolha condenado a não ser trolha. Mas um dia ainda hei-de ser trolha outra vez.
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