sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
um tipo normal
O tipo gosta de acordar cedo. Lava a cara com água fria e passa um pente finíssimo pelos cabelos, já grisalhos, desenhando um perfeito risco que lhe assenta como em menino em dia da primeira comunhão. Depois do café fraco, dá as suas voltas matinais, trata deste e daquele assuntos regulares, nada de preocupações de maior, e depois ainda tem tempo para ver a Fátima Lopes enquanto a irmã não lhe deita a comida quente na mesa da cozinha. É solteiro e não tem filhos. Tinha feito a vida a trabalhar numa fábrica de pneus em Lyon e voltara a casa com um razoável pé-de-meia. As tardes são sempre as mesmas. Vai à casa de apostas já com o jornal 1x2 no sovaco, regista um boletim de apostas ou compra o 14 para a popular, conforme os dias. Depois ruma ao parque e por lá fica a tarde toda a fazer tempo. Tem sempre conversa e cara alegre. Aquele homenzito de certeza que não sabe o que é uma depressão nervosa. Nem precisa. A vida corria-lhe como corria. A crise, o futebol e o desemprego eram apenas fait-diverts para passar o tempo. Nada de stress nem sequer quando esperava aquele número manhoso que lhe daria um prémio na lotaria. Nada. Apenas o tempo a passar, tranquilo, e o cabelo sempre bem penteado. À tardinha regressa a casa, janta cedo e deita-se a horas, sozinho e virado para o mesmo sítio de anos. Se sonha ninguém sabe porque ele não conta sonhos. Fica-se pelas conversas do dia que lhe esvaziam o tédio e distraem-no da solidão. Não se lhe conhecem namoradas e, portanto, poesias não são para ele. Não sabe o que é isso do euribor porque casa comprou-a a pronto. Não tem créditos nem calotes. Não vai a reuniões de pais nem consta que seja bispo da comunhão. Não bebe nem fuma. Não finge. Vive, Alegre e só. Um dia destes ha-de partir sem deixar rastro.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Um tipo acostuma-se a não querer nada do nada que a vida lhe dá e quando chega a ser nada nem dá conta. ;)
Enviar um comentário