Nos últimos dias temos recebido notícias sobre situações de escravatura com Portugueses que trabalham em Espanha. Obviamente que, sendo grave o que se passa com esses pobres cidadãos explorados por outros cidadãos, aliás, muito grave, estamos perante um caso isolado de violentação dos direitos fundamentais das pessoas, um caso de exploração gritante das incapacidades e dos desvios sociais que estão na origem da mobilização daquelas pessoas e consequente entrega a uma condição sub-humana que a todos empresta um enorme sentimento de indignação.
Sim senhor, o caso é grave e carece de intervenção rápida e eficiente das entidades consulares e outras. Mas também muito grave e talvez muito mais escandalosamente camuflado pelos interesses das máfias instaladas (tanto em Portugal como em Espanha) é a situação laboral de milhares de portugueses que de quando em vez até vão morrendo por estradas da ibéria ou mesmo nas obras. Aí é o teatro da morte que invade as nossas casas, é a “mise en cène” das televisões e todo o aparato próprio de um episódio que não deveria ter acontecido para bem das receitas de alguns. Para depois voltar a normalidade, a "fiesta".
É que os meus queridos leitores e até alguns historiadores ( a quem eu solicito um comentário público sobre esta matéria) deveriam estar mais atentos a este fenómeno. Por acaso sabem que há portugueses a trabalhar em Palma de Maiorca, (deixem-me ser concreto por uma vez, que eu disponho de muita e boa informação), em condições extremamente precárias? Fazem um turno laboral nas obras públicas da rede ferroviária local, ao qual dão o nome de “dia-noite-dia”. Percebem isto? Entram às 7 da manha de determinado dia e só arreiam às oito da tarde do outro dia. E quando alguém tem um acidente grave não há hospital que lhe pegue por falta de “papéis” e até aconteceu que um jovem ficou sem dedos de uma mão ao manusear uma rebarbadora e teve de ser tratado numa clínica particular a expensas do “dono da obra” para evitar o escândalo, e que os portugueses devem a restaurantes locais elevadas quantias por falta de verbas para pagar as despesas de alimentação. Evidentemente que aqui não há o espectro da escravatura porque eles aceitam estes horários e estas condições (ou quase). O problema é que estamos perante uma situação que acontece num país da União Europeia (Espanha) e que tem um enquadramento legal em matéria de horários laborais e em matéria de segurança e higiene no trabalho. Ora esse país está a ser conivente com uma situação de carácter excepcional que se replica em quase 30 mil trabalhadores portugueses que povoam tudo o que é obra pública espanhola. Alguém se preocupa com isso? há fiscalização? São cidadãos portugueses, por acaso também eles membros da União Europeia, e, como tal, merecedores de todos os direitos e deveres perante as leis de ambos os estados soberanos.
O problema, queridos leitores, é que as obras vão sendo feitas numa escala de interesses mais ou menos assim: dono da obra, um ex-politico influente, um empreiteiro, um subempreiteiro, um sub-sub-empreiteiro, e a carne-para-canhão (neste caso portugueses e luso-africanos e alguns ucranianos com visto português). Ora aqui gravita muito dinheiro. Milhares de euros provenientes das ajudas comunitárias. Mas quem morre, quem sofre, são sempre os mesmos. E quem ganha milhões de Euros são também sempre os mesmos, os do topo da pirámide.
Pergunto: há alguém que possa ler isto e esteja realmente disposto a fazer alguma coisa?
Isto é uma denuncia pública, não é apenas um mero texto de blog. Há muita gente a viver à custa disto. Empresários montados em BMWs, os tais angariadores de mão-de-obra, que enriquecem graças a esta actividade completamente ilícita, se bem que com contornos muito próximos da legalidade.
Há fiscalização? Há autoridades ibéricas capazes de parar isto? Há sim senhor. O que não há é honestidade politica para que seja feita justiça. O que falta é a capacidade de não se encolher os ombros perante tamanhas atrocidades.
Todos comem, ninguém é escravo, mas estamos na presença de uma das maiores fraudes do Sec. XXI.
Voltarei a este tema se deus me der vida e saúde.
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