domingo, 14 de janeiro de 2007

crónica de um domingo morno


Uma bela tarde, sem dúvida, passada a caminhar pelo longo passadiço que liga a Granja a Espinho. O mar estava mais ou menos calmo e as gaivotas povoavam as rochas da praia e faziam plateia, muito viradas para nós que passeávamos cá em cima, como se estivessem a ver uma corrida ou uma maratona. Do lado nascente passavam comboios vazios de gente e num ritmo descontraído, e ao fundo via-se Espinho das tardes de domingo, cheio de gentes com filhos e netos, pesadas e magras, altas e anafadas. Uma espécie de gente imortal, que se desloca para ali em carros enfeitados com naprons e terços de rezar. Muitos nem chegam a sair do carro. Ficam a dormitar virados para o mar, ou a ler os suplementos do Jornal de Notícias, o verdadeiro ícone literário da maior parte do povo-das-tardes-de-domingo-das-praias-de-Gaia-e-Espinho.
E no percurso inverso, de Espinho para a Granja, as mesmas pessoas e uma quase vontade de dizer "olá como vai", como se estivéssemos em contacto directo com excelentíssimos vizinhos. Jovens casais em ritmo apressado e quase sempre com um filho de colo, passeavam risonhos. Velhos com ar descontraído enchiam excelentes fatos de treino e ofegavam na pressa de se sentirem saudáveis. Raparigas sós ou acompanhadas aos pares, lembrando as antigas romeiras, pareciam procurar namorado no meio das gaivotas. Já não há namorados para estas romeiras. Apenas gajos que se enchem de carros artilhados com música de Tony Carreira ou com rap francês foleiro e que combina com os bonés de pala, os “yós” e os charros mal enrolados.
Uma bela tarde, sem dúvida, esta caminhada no passadiço. E as dunas estão boas, asseadas, e o mar insiste em tirar-nos a areia da praia, desnudando as pedras negras como se elas fossem rés sem pudor, expostas e condenadas.
O mar não se importa porque entende que não castiga. O mar não tem passadiço e desloca-se à toa. E nós ali em cima a passear, como se toda a nossa vida fosse um simples passeio à beira mar.

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