quinta-feira, 29 de janeiro de 2004

Naquela manhã de domingo fazia sol. Já se adivinhava o calor do Verão que não tardava. O parque estava repleto de gente. Gente de trabalho a aproveitar aquele tempo de lazer, de descanso. Eu tinha acabado de comprar uma bola de basquete e preparava-me para a estrear naquelas tabelas novas, mandadas colocar pelo autarca mais paradoxalmente elitista que conheço, o presidente da câmara de Vila Nova de Gaia. Sim senhor, o Senhor Da Pedra de Miramar, dantes um campo sujo de terra batida, antro de cães e barracas de venda livre, estava agora muito asseado e arranjado. Uma coisa que deu brado. Por de entre umas batidas de bola, o meu olhar debateu-se com uma pequena mole de gente, bem vestida, que atravessava o parque. Eram eles, os políticos em campanha. E lá estava o Pacheco. O homem não conseguia disfarçar aquela cara de frete, a olhar a gentalha de fato de treino coçado e os putos de ranholas nas ventas. Mas o homem soube estar à altura. Soube enfrentar a multidão que o olhava com olhar de letras grandes a dizerem : sulista, elitista. Eu fitei-o e disse para comigo: eis um homem de coragem. Nunca o tinha visto mais gordo, apenas o conhecia da televisão e daquele programa da rádio. Alguns artigos de jornal e o livro sobre Cunhal, (o velho Cunhal que eu sempre admirei – um ídolo da minha juventude, enfim ) não eram matéria bastante para que eu pudesse adquirir conhecimento autorizado da pessoa. E na verdade sempre foi um inimigo ideológico, digamos assim. Certo é que eu, que não sou nem jornalista, nem político, nem filiado em partido, tinha aprendido a respeitar aquele “character”. Depois veio o contacto com a blogosfera, os seus textos arrepiadamente facciosos sobre tudo o que havia de rotulável. Depois vieram aquelas ideias subtis sobre a guerra, mais as suas teorias sobre o bem e o mal. Depois aqueles textos sobre atentados, sobre a vida e os seus valores e a necessidade de encontrar os, há muito, identificados culpados e partir para a limpeza do alegado mal que afronta a liberdade e as garantias dos povos, das nações. Tudo treta, dizia eu, tudo da mesma cartilha. E por estes dias veio a mais reles das doenças que acontecem a gente desta: a síndroma do partenon. E de modos que me lembrei que um dia, há não muito tempo, cheguei a nutrir uma certa admiração por este tipo que se atreveu a dizer que o meu luto por um futebolista do meu clube que morreu em campo de forma fulminante, não foi mais do que uma masturbação da dor.






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