quarta-feira, 31 de maio de 2006
a rota das especiarias
Esta semana fui a Tomar, a uma aldeia lá para os lados das barragens e albufeiras, vender uma cobertura de piscina a um casal de ingleses. Não tinha qualquer referência sobre o casal e, na viagem, desatei a perspectivar o perfil destes potenciais clientes, que é uma coisa usual para quem vende, e quase apostava que ia dar a uma mansão com sistema de alarme, cercada por grandes paredes e recheada de potentes automóveis. Em chegando ao meu destino quase voltei para trás, apesar da minha experiência nestas coisas. Uma rua esganiçada, uma casinha destas portuguesas como na canção, e um casal de ingleses que eram a virgem Maria e o S. José dos despojados. Na sala apenas dois sofás e quatro cadeiras, uma televisão velha e pouco mais. Lá fora, um pátio arejado, e um jardim onde uma senhora de idade lia calmamente um livro. Ao fundo a piscina. Sosseguei, não seria para cobrir nenhum pátio. Depois foi o costume, o quebra-gelo. O quebra-gelo é a etapa mais importante para o sucesso de uma venda. Se o quebra-gelo for feito de forma implacavelmente excelente já nem vale a pena apresentar o produto que vendemos, podendo assim partir-se para o “fecho” do negócio com todas as garantias de sucesso. Eu gosto muito do quebra-gelo. Às vezes deixo-me estar na cavaqueira horas a fio, o que pode ser mau porque acaba por stressar o cliente e muitas vezes temos que agendar outro encontro, ou até, pode dar-se o caso de já não haver qualquer oportunidade de negócio. Porque, meus amigos, neste negócio é assim: fechar enquanto o cliente está de pau feito. Se demoramos muito ele pode perder o tesão e kaput. Ardeu. Mas eu adoro o quebra-gelo e graças a ele fiquei a saber que aquele jovem casal de ingleses escolheu Portugal e Tomar para seu refúgio sazonal e garantiram-me que após as não ameaçadas reformas a que terão direito, será ali que vão viver os últimos anos de suas vidas. Garantiram-me coisas que eu já sabia. Do tempo que faz, da gentileza das pessoas, da boa comida, da calma, da tranquilidade. E eu bebia tudo aquilo com muito gelo que se derretia num instante. Negócio fechado, obviamente, que o meu inglês ainda carbura, apesar de destreinado. Regresso a casa com um pensamento apenas: nós os portugueses a fugir para as cidades grandes, para a confusão e as filas de trânsito e a deixarmos estes velhos paraísos para os estrangeiros. Isto lembra-me a rota das especiarias. Não sei porquê, mas há, nisto tudo, algo de muito semelhante.
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