sexta-feira, 15 de julho de 2005

ela ali estava, sempre presente. colava-se naquela parede, todos os dias, paciente e de olhar lânguido, doce e apelativo, vendedora de sonhos forrados com êxtase e bordados de volúpia. conjugava muito bem a pose com a profissão e obrigava a distrações momentâneas. Punha-se de olhares até que algum moço, mais ou menos maduro, a abeirasse, quase discreto, e a conversa era quase sempre breve e concreta. a conversa fugia daquilo tudo, da magia dos seios, dos sonhos forjados entre o vermelho e o verde do semáforo.
"quanto levas?".
nada de mais, se tomarmos em consideração os dentes brancos e absolutamente certinhos. muito interessante, se levarmos em conta a sua pele clara, macia e cheirosa. quase dado se olharmos de perto o seu decote doce e bom.
a conversa é que reprimia o sonho, dizia eu, porque era um diálogo comercial, de fecho na hora, sem emoção. e que bom deveria ser poder conversar com ela, sem negócio, sem preço, a olhar o rio lá em baixo e a ouvir as gaivotas aldeeiras.
seria possível? haveria vida íntima para além daquela parede, para além daquelas quatro paredes feias e iluminadas com fraca luz? por certo sim, quem sabe. por certo há um história de amor naquele coração que palpita. há, de certeza, alguém que a ouve sem lhe bater, que a mima de gelados como se faz a uma moça qualquer, a uma empregada de balcão ou a uma vendedora da Zara.
estou certo disso enquanto inicio a marcha, porque abriu o sinal e urge chegar a casa. haverá uma casa também. e miudos e compras e telenovelas.
quem sabe. eu acho que sim.

Sem comentários:

Web Analytics